Quem é você para tentar me desconstruir?



Desconstruir, à primeira vista, se apresenta como uma forma de consertar as coisas. Você olha para o mundo e sente que algo deu muito errado no modo como ele foi construído. Injustiça, desigualdades de toda sorte, corrupção, desrespeito, violência e opressão são razões óbvias para que rejeitarmos o que vemos ao redor. Aparentemente o mundo não se tornou aquilo para o qual foi criado, daí, a necessidade de desconstruí-lo. Eu imagino a cena de um engenheiro olhando para ao projeto original e depois olhando para o edifício e dizendo: "Está tudo errado! Este prédio é irrecuperável, tem que demolir e começar tudo de novo". Você verá que esse é um texto sobre sua "visão de mundo", ou como os alemães gostam, Weltanschauung!

Querido(a) leitor(a), se você concorda que o mundo é este prédio, que ele apresenta danos irreversíveis em sua estrutura e, portanto, precisa ser desconstruído e reconstruído novamente, então você está assumindo, talvez sem perceber, que existe um projeto original, como uma planta. Só sabemos que algo está errado quando temos em vista um parâmetro de referência do que é o certo. O certo é o que não é errado. Conhecemos o mal pela referência que temos do bem e, vice-versa. Neste sentido, o filósofo Maurice Merleau-Ponty, nos ensina que na linguagem, cada signo, "significa apenas a sua diferença com relação aos outros”.

Por esse motivo, antes de continuarmos é necessário que: primeiro, você admita para si mesmo que ao enxergar a necessidade de desconstrução, você dispõe de um ideal, um projeto original que não foi e não está sendo aplicado no real, motivo pelo qual existe as problemáticas sociais e humanitárias. Em segundo lugar, é necessário que você assuma esse projeto original como sendo o seu parâmetro do certo, um ideal. Sem esses dois critérios, você será apenas alguém que quer destruir as coisas, pois sem o projeto original, você não terá como reconstruir as coisas. Quando um engenheiro planeja um edifício, ele se torna o responsável por tudo que envolve a construção daquela estrutura, sobretudo se a mesma é segura. A questão é a seguinte: se você fosse o engenheiro do mundo, você se responsabilizaria pelo projeto original que tem em mente?

Bem, a história da humanidade é repleta de engenheiros que tentaram consertar as coisas. Vemos exemplos disso na religião, política, artes, ciências etc. Portanto, não é novidade que alguém perceba que as coisas deram errado no mundo. Você definitivamente não é o primeiro. O grande problema disso tudo é que antes de achar a solução você precisa indicar qual é o problema original. Qual é a causa de todos os problemas que estamos vivendo. Para Hitler, o problema era de uma ordem praticamente genética e os judeus eram a praga a ser disseminada. Só assim se chegaria ao mundo eugênico. Durante a guerra fria e, na verdade até hoje, para os comunistas o problema do mundo é o capitalismo e vice-versa. Por causa disso os homens fazem guerras.

Por outro lado, homens bem estudiosos decidiram investigar a história da humanidade para entender a raiz de todo mal. Foi assim que a ideia da desconstrução se tornou muito frequente no contexto das ciências humanas sobretudo em decorrência da instauração de um olhar suspeito acerca da própria história, a história da humanidade. A "Genealogia" de Friedrich Nietzsche, a "Arqueologia" de Michel Foucault e a própria "Desconstrução" de Jacques Derrida, são ótimos exemplos dessas tentativas. Estes e outros grandes pensadores se utilizaram dessas estratégias para escavar, descobrir, desenterrar ou desvelar o que está originalmente por debaixo de tudo isso que o homem construiu sobre si mesmo.

Entretanto, basta olhar para a academia e logo você verá que essas estratégias deixaram de ser apenas metodologias de investigação epistemológica para se transformarem no estilo de vida de muitas pessoas. A partir daí o olhar interrogador das "filosofias da suspeita" deixaram de questionar e viraram verdadeiros códigos morais aos quais submetemos uns aos outros. Isso tudo acaba sendo muito irônico porque raramente as pessoas se percebem em uma atitude moralizante enquanto tentam desconstruir a moral dos outros. Mas calma, não me abandone, o objetivo desse texto não é desconstruir a desconstrução.

Você me perguntaria: "Neemyas, você não acredita que machismo, homofobia e racismo são exemplos óbvios de fenômenos, práticas e concepções que precisam ser desconstruídos?" Eu olharia pra você bem no fundo dos seus olhos e diria: "É claro!". Mas nós pararíamos por aí? Isso resolveria nosso problema de uma vez por todas? O que acontece todas as vezes que utilizamos nossas retroescavadeiras? O que encontramos por debaixo de cada escombro? O que vai aparecendo sob as bases da civilização? O que emerge do subsolo, no alicerce de cada uma dessas coisas que estamos tentando desconstruir? Não seriam, porventura, mais coisas para desconstruir?

Não digo que, diante disso, deveríamos adotar uma postura inerte, indiferente e deixar que o mal continue a nos destruir. Existem construções sociais que corroboram para uma série de demandas prejudiciais à própria vida humana. Todavia, muitas pessoas não teriam tanta disposição para concluir essa tarefa árdua até o pecado original. A maior parte de nós encontra atalhos. Na hora de escolher um culpado pelo problema do mundo logo percebe-se que o mal está em todo lugar, a começar de mim e de você. Então...todos são culpados e no fim das contas ninguém é culpado? Isso não ajudaria em muita coisa, eu sei. 

Você, por outro lado, me diria que a solução é a desconstrução permanente e eu questionaria: Qual o sentido disso? Desconstrução sem reconstrução é apenas demolição. Ademais, estamos mesmo desconstruindo de forma despretensiosa? Não estamos nós em busca da raiz de todo bem, da raiz de todo mal? Não estamos escavacando e destruindo para encontrar a cura, a origem, a verdade? Das duas, uma: ou assumimos que estamos desconstruindo porque estamos em busca da verdade, ou estamos desconstruindo porque estamos assumindo que nós somos a verdade. Nós temos a planta original em mãos. Qual dos dois tipos de pessoa você é? 

O grande problema da desconstrução é que de um ponto de vista ideal, ela deveria começar em nós mesmos, no coração de cada um. Mas não é assim que acontece, eu e você sabemos muito bem disso. Desconstrução é desconstrução do outro. Eu, particularmente não acredito muito em um homem (ou mulher) cuja natureza é tão boa que ele ou ela mesma se auto-desconstrua por iniciativa própria e sem resistência alguma. Nós só mudamos por necessidade, porque todo mundo sabe que qualquer transformação implica em stress adaptativo. E mesmo assim, poderíamos começar a questionar aqui se a auto-desconstrução é algo possível. Um neurocirurgião não pode confiar em si mesmo para retirar um tumor do próprio crânio. Um psicólogo não pode fazer psicoterapia consigo mesmo. Um juiz não pode julgar a si mesmo. Quem tenta se auto-desconstruir geralmente acaba se auto-destruindo e essa é a principal justificativa pelo qual eu estou escrevendo este texto.

Como psicoterapeuta sempre tenho contato com uma grande diversidade de pessoas com credos, valores e ideais peculiares. Mas confesso a vocês que eu nunca esperei ter de tratar tantas pessoas que têm se sentido culpadas por não conseguirem se auto-desconstruir. Quer dizer, a tomar como referência educações mais conservadoristas, é de se imaginar que, pessoas mais religiosas sintam culpa por sentirem que não conseguem ser quem supostamente deveriam ser. Posso dizer a você leitor que o ideal da auto-desconstrução está fazendo mais pessoas insatisfeitas consigo mesmas do que a má interpretação de dogmas religiosos. Para resumir a coisa, poderia dizer a você que a auto-desconstrução adquiriu um status de dever moral e religioso não ficando para trás em nada das religiões mais tradicionais do ocidente. 

Hoje em dia as pessoas falam de auto-desconstrução como uma forma de auto-purificação, um esforço para expurgar o mal de si mesmas, um modo de salvar-se da própria condição. É impossível não enxergar a tonalidade religiosa que isso adquiriu. Uma pessoa desconstruída parece um santo, alguém que está acima do bem o do mal, alguém que chegou a um patamar de desapego a qualquer norma, regra ou princípio moral. Mas isso será possível? Por favor, leitor, apenas pense comigo, aceite meu convite à sinceridade: isso seria possível? Nesse caso o que sobraria deste ser humano? 

Até aqui, tenho entendido que não existe auto-desconstrução porque não existe desconstrução sem alteridade. Quando o homem ou a mulher tem apenas a si mesmo como referência ele desconhece qualquer outra possibilidade de ser e existir. Ser desconstruído parece estar ligado à capacidade de se sujeitar aos outros e às diferenças e isso não é nada agradável. Não obstante, quando somos tratados com algum tipo de acusação ou denúncia sobre nossas atitudes ou pensamentos, automaticamente retrucamos: 

"Quem é você para tentar me desconstruir?"

Aparentemente ninguém está habilitado a desconstruir os outros porque todo mundo é defeituoso, problemático, preconceituoso e tem atitudes desrespeitosas. Por esse motivo, nós temos sérios critérios pelos quais julgamos que alguém esteja apto a nos ajudar em um processo de desconstrução. Falarei apenas de dois:

1- Só aceitamos sermos desconstruídos por alguém que consideramos ser maior do que nós mesmos. Se você é feminista, não aceitará ser desconstruída por um machista. Primeiro porque você se vê em uma posição mais elevada do que ele, segundo porque de certa forma você o vê como inimigo. A recíproca é verdadeira. Geralmente os professores universitários se sentem à vontade para desconstruir as crenças de seus alunos e, estes últimos, muitas vezes acreditam que aqueles têm esse direito pelo simples fato de serem professores. Por esse motivo os alunos podem ser mais suscetíveis à desconstrução de seus professores, afinal, eles os vêem como pessoas elevadas, com autoridade para tal. 

Não obstante, tente fazer o exercício inverso e veja o que acontece. Os mesmos professores universitários que se sentem à vontade para desconstruir seus alunos são os mesmos que rechaçam veementemente qualquer possibilidade de serem desconstruídos por um discente. O estudante, presume-se, é inferior e não tem autoridade para tal. Mas até mesmo em reuniões de colegiado, aqueles mesmos professores não aceitarão a desconstrução de outros professores que são seus pares, ou seja, estão lado a lado em uma posição hierárquica. Só aceitamos a desconstrução de quem julgamos ser superiores a nós mesmos.  

O problema do martelo da desconstrução é que queremos que ele sempre esteja em nossas mãos. Enquanto isso, todo o resto vira ídolos de pedra, para utilizar o dicionário nietzschiano. Afinal desconstruir o mundo é algo que julgamos como uma necessidade quando se trata do outro, mas quando somos nós aqueles que precisam ser desconstruídos então fugimos disso porque ser desconstruído dói. Isso mesmo, a desconstrução dói e, você sabe do que eu estou falando.

2- Só aceitamos sermos desconstruídos por alguém em quem confiamos. Uma vez que a dor é um dos principais efeitos da desconstrução, logo não é a todo mundo que damos esse direito, afinal, existem sádicos por aí. A desconstrução envolve mudança de pensar, de agir e muitas vezes de sentir, o que é algo absurdamente íntimo e enraizado. Certamente eu e você não aceitaremos de bom grado esse tipo de mudança em nossos próprios organismos. Nós resistiremos a desconstrução da mesma forma que um soldado ferido resistirá a amputação do seu braço gangrenado. Não importa se isso irá te salvar, não importa se isso irá te fazer ficar bem, não importa se isso irá te tornar melhor, tudo que importa é a dor que eu e você tentaremos evitar a qualquer custo. Desconstruir é algo que mexe com nossas estruturas mais profundas de pensamento, percepção, emoções e sentimentos. Muitas vezes desconstruir também envolve mudanças no nosso próprio corpo. Tudo isso dói. Dói porque é íntimo. 

Em psicologia da saúde, sabe-se que, o nível de confiança de um paciente em relação ao seu médico, enfermeiro ou qualquer outro profissional da saúde, é determinante para a adesão ao tratamento proposto. Você não confia em alguém que não conhece, você não confia em alguém que não é responsável, você não confia em alguém que não se importa, você não confia em alguém não fala a verdade. Por fim, quanto mais confiamos em alguém, mais essa pessoa se torna íntima pra nós. 

Não é qualquer pessoa que pode acessar coisas íntimas do nosso ser, apenas pessoas em quem confiamos. Nos momentos mais difíceis da nossa vida, quando somos submetidos à desconstruções radicais, nós contamos com pessoas de extrema confiança. A confiança nos leva à sujeição e a sujeição nos leva à obediência. Quando estamos doentes e precisamos de cura nos sujeitamos às pessoas que sabem o que precisa ser feito para sermos curados. Quando estamos deprimidos ou ansiosos, nos sujeitamos à condução que o psicoterapeuta emprega em nosso tratamento. A confiança nos leva à sujeição. Confiamos porque sabemos que essa pessoa:

- Não irá mentir ou esconder a verdade
- Estará ao nosso lado e não nos abandonará durante o processo
- Sabe o que é o melhor pra nós (até mais do que nós mesmos)
- É responsável e comprometida
- Se importa e quer nosso bem. 
- Lida conosco não apenas para mostrar que está certo, mas para cuidar de nós 

Enfim, mais do que tudo, confiamos porque sabemos que essa pessoa não irá apenas nos desconstruir, mas também nos ajudará quando chegar a hora de nos reconstruirmos. Ao fim da guerra fria, o maior obstáculo dos alemães não foi a destruição do muro de Berlin, mas a reconstrução, unificação e redemocratização da nação. Desconstrução sem reconstrução significa destruição. Só aceitamos a desconstrução de alguém que além de nos desconstruir também seja fiel para nos reconstruir. Confiança tem um outro nome: fé. A fé vem da fidelidade.

Exatamente aqui surge um grande problema porque na medida em que sabemos que o mundo precisa de desconstrução, também na mesma medida extinguimos a fé, isto é, a confiança. Pra ser mais direto ainda, a fé é o principal alvo de desconstrução da atualidade. A fé é algo retrógrado e, tal como ela, tudo que a envolve, como as crenças, princípios morais e valores, sobretudo os cristãos.

Não existe atualmente - e nunca existiu - um conjunto de doutrinas, uma forma cultural e uma ética que tenha sofrido mais tentativas de desconstrução do que o cristianismo. Muitas pessoas acreditam que ao atacarem o cristianismo estão fazendo isso pela primeira vez, mas na história da humanidade isso é tão antigo quanto a crucificação de Cristo. Tudo isso é apenas repetição.  Mas ao que se deve esse ataque?  Provavelmente isso se deve ao fato de o cristianismo alegar ser a único e exclusivo mensageiro de uma única e exclusiva verdade. O que você, obviamente pode negar com as próprias entranhas enquanto eu caio de joelhos rendido por essa verdade. 

Nesse exato ponto você, que até aqui se esforçou muito para tentar entender minha forma de enxergar o problema da "desconstrução", a partir de agora, pode desistir de continuar caminhando ao meu lado quando eu começo a falar da solução. Neste exato ponto, você pode dizer para si mesmo: 

"Juro que tentei, mas...a partir daqui, eu não posso mais a seguir junto com você, Neemyas..."

Eu certamente entenderia sua indisposição para acompanhar-me, mas eu insistiria em algo:
"Que tal baixar a guarda e experimentar um pouco dessa desconstrução...?". Se sua resposta for sim então a primeira coisa que você precisará decidir em seu coração é como você vê o cristianismo: se ele é o mal a ser varrido da face da terra ou se ele é a verdade à qual você necessita se sujeitar.

Certa vez, em "O Grande Abismo"(The Great Divorce) - 1945, C.S. Lewis, o mesmo autor de "As Crônicas de Nárnia"(The Chronicles of Narnia), escreveu o seguinte:  

"Não se preocupe. Só há duas espécies de pessoas no final : os que dizem a Deus, 'seja feito a Sua vontade', e aqueles a quem Deus diz : 'a tua vontade seja feita' ". 

Eu, quero parafrasear esta citação da seguinte maneira: "Só há duas espécies de pessoas no final: os que passarão a vida tentando desconstruir Deus e aquelas que passarão a vida inteira sendo desconstruídas por Ele".

Eu preciso concordar com você que algo deu muito errado no mundo, o nome disso é pecado. E eu preciso concordar com você que as pessoas precisam ser desconstruídas (a começar de mim mesmo e de você, pecadores). Porém essa constatação só nos revela que absolutamente ninguém está apto a se tornar o martelo da verdade. 

Quando Nietzsche escreveu sua penúltima obra, ele lhe deu o seguinte nome: "Crepúsculo dos Ídolos, ou Como Filosofar com o Martelo" (Götzen-Dämmerung oder Wie man mit dem Hammer philosophirt) - 1888. Para ele a tarefa da filosofia envolvia uma declaração de guerra contra os antigos ídolos, isto é, a moral cristã. Mas apenas um deus pode destruir ídolos. Quando eu assumo a tarefa da desconstrução de Deus, eu o transformo em um ídolo e assumo sua posição. Eu me torno deus, o martelo dos outros. 

Bem, se você ainda está aqui comigo preciso assumir que eu mesmo descobri que não estou apto a me tornar o martelo dos outros. Não tenho condições psicológicas de bancar Deus, mas já tentei e, não tive bons resultados. Eu percebi que eu tentava desconstruir as pessoas e suas crenças apenas para mostrar a elas que eu estava com a razão e que elas estavam erradas. Eu me sentia superior a elas e, portanto, apto a criticá-las e invalidar sua forma de pensar e, por fim eu não lhes ajudava no processo de reconstrução. Eu até queria desconstruir, mas tudo que eu sabia era destruir. 

Quando percebi meu lado vândalo e imperialista, quando vi os danos que causei, quando enxerguei que as pessoas se sentiam inferiorizadas por mim, então não quis mais ser deus, fiquei envergonhado de mim mesmo. Tentei me auto-desconstruir, mas como eu já disse, isso é tão absurdo como um médico que usa sua mão direita para fazer uma cirurgia na mão esquerda. Eu não queria mais ser martelo, mas também não queria ser pedra, o orgulho nunca deixou. Eu era a pedra e o martelo, por isso, comecei a me auto-destruir. Me tratava como objeto de conhecimento, eu tinha uma relação epistemológica comigo mesmo que terminou por despersonalizar de mim mesmo me perdi. Quanto mais eu tentava me purificar, mais eu me encontrava com minha desgraça.

Eu tenho enxergado a mesma coisa em outras pessoas. Eu tenho visto homens que militam contra o patriarcado menosprezarem as produções intelectuais de suas esposas, eu tenho visto mulheres feministas que agridem física e psicologicamente seus parceiros com frequência. O grande dilema dessas pessoas é que elas sabem que isso é errado, mas elas não conseguem simplesmente mudar a si mesmas, o que lhes gera muito sofrimento e culpa.

Isso acontece porque a desconstrução se tornou mais do que um método de investigação da realidade e se tornou um ideal de vida. Ela adquiriu um status moral e super-egoico. Mais do que isso, a desconstrução se tornou um marcador da intersubjetividade e um mediador das relações humanas. Como ideal, ela se transformou no critério para você se aproximar de alguém, por isso ela se tornou um valor, um princípio, uma doutrina. O grande prejuízo disso tudo é que você, quando você utiliza a desconstrução como método de investigação isso pode servir bem para sua pesquisa, mas se você a utiliza como ideal de vida, então o outro vira objeto de conhecimento a ser desconstruído. Essa relação deixa de ser uma relação humana (eu-tu) e passa a ser uma relação epistemológica (eu-isso).

Esse tipo de relação é inviável, insustentável e nada saudável. Quando o "eu" destrói o "tu" ele destrói a si mesmo e é por isso que eu afirmo que quem tenta se auto-desconstruir acaba se auto-destruindo. Tem sido muito triste ver tantas pessoas desenvolverem uma relação epistemológica consigo mesmas. Enquanto se esforçam e se frustram com muita frequência elas tentam se tornar uma ideia, se esquecem de sua própria condição humana. Eu posso falar desse tipo de experiência em primeira pessoa porque eu também desenvolvi esse tipo de relação epistemológica comigo mesmo. Tentei me transformar em uma ideia, tentei me auto-desconstruir.

Depois de muita resistência, vencido pelo cansaço e pela constatação da total impotência eu me rendi diante do Desconstrutor. Assumi a identidade de pedra, de barro, tal como eu sou, tal como eu fui criado. Fui feito de barro, não de ferro. Não, eu não podia ser martelo. Eu sou o barro. A real desconstrução começa quando eu me sujeito a alguém que, como dissemos, é maior do que e alguém em quem confio. Não há desconstrução sem fé assim como não há auto-desconstrução.

Quando eu confio eu me sujeito a Aquele que tem a habilidade, o cuidado, a responsabilidade, a autoridade. Mais do que tudo isso, a fé também me faz saber que o Desconstrutor é o mesmo Engenheiro. Ele tem em mãos o o projeto inicial e, inclusive eu faço parte desse projeto. A fé me fez reconhecer que eu não sou o meu próprio criador, que eu sou criatura e por isso eu fui feito por Alguém. É isso que eu encontro por debaixo de toda a desconstrução: a minha identidade como um ser humano que foi feito à imagem e semelhança do meu Criador  (Gênesis 1:26,27). Ao reconhecer que eu sou a criatura e não o criador, eu reconheci também que eu não sou a verdade, mas o resultado Dela.

Começava ali meu processo de desconstrução real. Digo que foi e é real porque a desconstrução de Deus começa pelo coração. O problema não está no mundo, está no meu, no seu e no coração de todos os homens e mulheres na face da terra. Em minha desconstrução eu perdi totalmente o controle, soltei as redes, perdi todo o meu domínio, agora eu estava em Suas mãos.

Talvez você não conheça, mas na Bíblia Sagrada existe um livro escrito pelo profeto Jeremias. Nesse livro Deus mostra a Jeremias que Ele lida com as pessoas da mesma maneira que um oleiro que está fazendo um vaso. Como a argila é frágil e se quebra, faz-se necessário que o Oleiro comece a re-fazer o vaso (Jeremias 18:1-6).

Deus certamente é a pessoa mais adequada para operar desconstruções em nosso ser. Na verdade, Ele é a única pessoa apta e capaz de fazê-lo. Certa vez Ele disse, ao mesmo profeta Jeremias, o seguinte 

"Porventura a minha palavra não é como o fogo, diz o Senhor, e como um martelo que esmiúça a pedra?" - Jeremias 23:29

Se pensarmos apenas nos critérios dos quais tratamos acima, rapidamente veremos que Deus é:

-Aquele que é maior que nós mesmos, mas que não nos inferioriza:

"Pois o Altíssimo, o Santo Deus, o Deus que vive para sempre, diz: “Eu moro num lugar alto e sagrado, mas moro também com os humildes e os aflitos, para dar esperança aos humildes e aos aflitos, novas forças." - Isaías 57:15

-Aquele em quem podemos confiar porque nunca mente:

"Deus não é homem para que minta, nem filho de homem para que se arrependa. Acaso ele fala e deixa de agir? Acaso promete e deixa de cumprir?"- Números 23.19

-Aquele que quer o nosso bem: 
"Louvai ao SENHOR, porque ele é bom; porque a sua benignidade dura para sempre." - Salmos 136:1
"Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem?" - Mateus 7:11

-Aquele que é fiel e não nos abandona nos momentos de desconstrução:

"O Senhor responde: “Será que uma mãe pode esquecer o seu bebê? Será que pode deixar de amar o seu próprio filho? Mesmo que isso acontecesse, eu nunca esqueceria vocês" - Isaías 49.15

-Aquele que é Justo:

"Justo é o Senhor em todos os seus caminhos, e santo em todas as suas obras." - Salmos 145:17

-Aquele que nos desconstrói, mas que também nos reconstrói:
"Venham, voltemos todos para Deus, o Senhor. Ele nos feriu, mas com certeza vai nos curar" 
- Oseias 6:1


Então, o que concluímos disso? Que a desconstrução é necessária e dentro do cristianismo isso começa com a conversão. A conversão, por sua vez, começa com o arrependimento e o arrependimento nada mais é que a constatação que de não era Deus que precisava ser desconstruído, mas eu. O arrependimento é a rendição, é desistir de tentar ser o martelo, é desistir de tentar ser Deus, é assumir o próprio fracasso, é assumir a própria condição de barro e não de ferro. Algo de muito errado ocorreu com a humanidade e o nome disso é pecado.

O que mais? Uma vez convertido à Cristo, me torno cristão, isto é, alguém que passará a vida inteira em desconstrução. Confesso que às vezes, durante esse processo, eu tento bancar o Martelo, me sinto no direito de discordar da desconstrução que Deus está realizando em minha vida e aí pergunto novamente: "Quem é você para tentar me desconstruir?", “O que é que você está fazendo?”(Isaías 45:9). Quando não tenho coragem para verbalizar meu descontentamento, sinto meu coração murmurar sobre Deus: “Você não sabe trabalhar.” (Isaías 45:9). Porém ao ser constrangido, pela Sua misericórdia, bondade, paciência, cuidado, correção e amor, mais uma vez eu me rendo a Ele e confesso: 

"Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai; nós o barro e tu o nosso oleiro; e todos nós a obra das tuas mãos." - Isaías 64:8

Eu escrevi esse texto não para afrontar você, mas apenas para dizer que tudo isso que você procura por meio da desconstrução, você encontra no evangelho de Cristo. O Evangelho de Cristo é desconstrução no sentido mais radical e genuíno possível. Lembre que o próprio Jesus dizia:

"Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me" - Lucas 9:23

Desconstrução tem outro nome na Bíblia, no cristianismo, isso significa santificação. A melhor parte dessa desconstrução-santificação é que, o principal responsável por ela não sou eu, mas o próprio Deus na figura de Jesus Cristo. O próprio Deus se assenhora de completar em minha vida tudo aquilo que precisa ser transformado, mudado, morto, ressuscitado e renovado. Tenho a certeza absoluta de que meu Oleiro não faz nem fará nada para me destruir, mas apenas para me tornar exatamente naquilo que Ele sabe que é o melhor para mim. Eu tenho experimentado tudo isso, e não quero nunca mais voltar a bancar o martelo. Agora eu sou aquele que diz: "Senhor faça-se a Tua vontade".

Existem muitas outras perguntas e questionamentos que ainda estejam no seu bolso, mas se eles te inquietarem e pesarem, não deixe de me procurar. Se eu pudesse parafrasear Filipenses 1:6 eu diria:

"Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa desconstrução e reconstrução, a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo" - Filipenses 1:6

Quer receber meus futuros posts direto no seu e-mail? Basta clicar na raposa.


Neemyas Dos Santos






Comentários

  1. Excelente! Revelador, provocador; produz uma inquietação palpitante, não restando para o leitor honesto outro caminho, senão o da rendição. Rendição ao Eterno Construtor, onde desconstruir, já em si mesmo, o reconstruir. Nele é possível, pois o processo de transição é feito com Graça.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Minha foto
Neemyas Dos Santos
Um pecador salvo pela graça de Deus, marido da Lívia, uma mulher cuja alma é semelhante a um carvalho. Psicólogo e Mestre em Psicologia. Atua como Psicólogo Clínico da Universidade Federal do Maranhão.