Do Lado de Fora


A humanidade nunca dispôs de tantas formas terapêuticas e, no entanto, nunca estivemos tão doentes da alma. Por que? Até pouco tempo, as contribuições freudianas nos ensinavam a buscar a causa dos problemas psicológicos olhando para os nossos pais, porém as coisas mudaram. Hoje a fórmula “você é assim por culpa da sua mãe”, vem sendo substituída pelo pressuposto de que todo adoecimento psicológico advém do “sistema”. Isso me leva a crer que, talvez a resposta esteja naquilo que esperamos deste mundo.

Não obstante, entender, por que as pessoas de hoje estão mais doentes do espírito, não envolve uma solução simplista. Certamente, existem muitas respostas para essa pergunta, mas quero me dedicar especificamente a uma delas: a questão do sofrimento. 

O núcleo do meu argumento reside na hipótese de que o massivo crescimento de adoecimentos psicológicos advém de um novo paradigma pelo qual o homem passou a entender, lidar e tratar o sofrimento.  Antes, porém, quero apresentar a noção de sofrimento que será adotada no decorrer do texto. Adianto que se trata de uma concepção pessoal e, não acadêmica.   

O que é o sofrimento?

O sofrimento é um lembrete. Sua tarefa primordial é nos fazer saber e, nunca esquecer, nem por um segundo, que nós não estamos (mais) no paraíso. Por isso, o sofrimento não é apenas um dado interno da consciência, ele está instalado na realidade como um todo. Olhamos o mundo a nossa volta e nós sabemos que estamos do lado de fora de algo ao qual pertencíamos. Tal sentimento, se assemelha, ao de um cão que fugiu de casa, mas ao regressar, encontrou o portão fechado. A diferença é que nós não fugimos, nós fomos expulsos do lar. Nós agora estamos do lado de fora. 

Esse Lar, é o que nós chamamos de Paraíso. Nós sofremos porque vivemos do lado de fora. Uma prova importante de que houve um Paraíso reside na ânsia de todas as gerações de homens em retornar para o lado de dentro. Existe em cada um de nós uma nostalgia inata que nos faz querer voltar pra casa. Para muitas pessoas, essa nostalgia se torna mais evidente quando elas experimentam a chamada "depressão do domingo".  

Por que o coração do homem conhece o lado de dentro do jardim, por isso nós não aceitamos o sofrimento como algo natural. Caso o universo, o mundo e o meu próprio corpo fossem o mero resultado dos entrecruzamentos do acaso, certamente, eu aceitaria os infortúneos do caos como algo familiar. O sofrimento, então, coincidiria com a dor.  Seriamos como os animais.

Não digo que os animais não sofrem. Não sei disso. Mas sei que eles não sofrem da maneira com nós sofremos. Um jovem cervo pode até sofrer (a dor) de estar sendo devorado por um leão, porém, enquanto morre, ele não pensa consigo: “Isso é injusto, eu não mereço isso. Ainda na flor da juventude...tanta vida por viver...” De igual modo, um elefante de circo, infeliz pela vida que leva, não põe termo à sua vida sofrida lançando-se de um precipício.

Como resume Eugène Minkowski “o homem por sua essência, irá sempre conhecer o sofrimento”. Tal afirmativa não significa dizer que, o sofrimento é a essência do homem, mas que, em decorrência de sua essência, o homem sofre, por viver em uma condição para a qual não fora originalmente dedicado.O sofrimento é o “não” espontâneo do coração de todo homem diante do mal que habita dentro e fora de si. 

Seria, portanto, conveniente discriminar dor e sofrimento como categorias não sinônimas. A dor é natural, o sofrimento não. O sofrimento é a inevitável constatação que, em consequência do mal, o homem tem de que ele mesmo, sendo homem, não foi criado para tal. É por isso que o homem sofre. Sofre porque se lembra: “Eu não fui feito para isso”. 

Lembramos, portanto, a contra gosto. Lembramos quando gostaríamos de esquecer. Somente um encantamento seria capaz de nos fazer esquecer. Porque apenas uma ilusão teria o poder de nos fazer viver alheios do mal que existe nós e ao redor de nós. Foi por um encantamento, que um jovem rei, passou a viver no mundo mórbido do subsolo como se estivesse vivendo no paraíso. 

Em "A Cadeira de Prata", C.S. Lewis nos ensina o quanto a humanidade pode viver segundo uma mentira. Na história, o mesmo feitiço que fazia o jovem rei esquecer de quem ele era no Mundo de Cima, era o mesmo que lhe fazia ver o mundo das profundezas como o melhor lugar do mundo para se viver.  É mais precisamente essa a nova noção de paraíso para o homem moderno: o esquecimento de si e do mundo.

É neste sentido que, o sofrimento é aquilo que não nos permite esquecer, não totalmente. Ele não permite que fechemos totalmente os nossos olhos, pois nos obriga a lembrar de quem nós ‘eramos’ e, de quem, agora, nós somos. O sofrimento testemunha acerca da eternidade. 

Não quero que o leitor pense que negligencio a existência de níveis de sofrimento. Eles certamente existem. Porém no contexto desse artigo, quero me dedicar à ideia de sofrimento em lato sensu, isto é, em sua forma mais banal, cotidiana e fundamnetal. Mas em que sentido, isto estaria adoecendo as emoções das pessoas? É o que nós iremos tentar descobrir agora.

Do lado de fora

O homem moderno vive segundo a pressuposição de que este mundo pode e deve ser  - novamente - um paraíso. Paraíso...mas, afinal, o que isto significa para as pessoas modernas? Paraíso hoje é sinônimo de bem-estar. O homem moderno orienta a própria vida segundo a crença de que ele merece o bem estar e de que foi feito para isso. Isso quer dizer que, vale mais a pena se sentir bem e confortável do que caminhar por ruas de ouro e cristal ou sentar-se desfrutar de fartos banquetes em Valhalla. Por que?

Talvez a resposta esteja naquilo que esperamos deste mundo. O bem-estar é um objetivo compartilhado por perspectivas de mundo amplamente diversas, desde o Welfare State (Estado de Bem Estar Social), passando pela ideia de saúde e bem-estar como mercadorias no Neoliberalismo contemporâneo, até seu antípodas presente nas novas apropriações anti-capitalísticas da ideia andina de Buen Vivir (Bem Viver).

Parece haver entre as pessoas, um anseio comum de que, a partir do devido ajuste, das questões políticas, educacionais, econômicas, sociais e psicológicas, poderíamos, afinal re-construir a realidade. Estou certo de que tudo que pudermos fazer e tudo que estiver ao nosso alcance para superarmos problemas políticos, educacionais, econômicos, sociais e psicológicos, deve ser feito. 

Porém, tal esforço deve ser acompanhado pela lembrança de que além de sermos finitos e limitados por natureza, nós também somos corrompidos. Por isso é ingênuo e ilusório nutrimos a expectativa de começar tudo do zero e re-criarmos um paraíso. Assim como a Torre de Babel, tal projeto permanece inacabado.

Dostoievski, já nos alertava em "O Sonho de um Homem Ridículo" que basta um único coração decaído para que utopias sejam demolidas. Dê ao homem decaído um paraíso terreno e vede no que ele o transformará. Esse tipo de caricatura do mundo, nos faz ansiar por pelo encanto do esquecimento, algo que nos instale novamente no Jardim, sem que nos preocupemos mais com Deus ou a serpente. 

A teleologia do bem-estar, nos ensinou, que o homem existe para se sentir bem, acima de tudo, de todos e a qualquer custo. Existe um sensualismo (no sentido filosófico) permeando a ideia de realidade como aquilo que “Eu” sinto. Em “Look Away” (2018), um cirurgião plástico ensina à sua filha, a seguinte lição: “Não importa o que é real. O que importa é como você se sente”. A trama do filme trata de demonstrar com crueza as consequências dessa crença. 

O homem quer acreditar que basta a si sentir-se bem. O que, então, lhe impede? O mundo¹, os outros² e, principalmente, Deus. O sofrimento não é sinal da ausência de Deus, pelo contrário. Nós sofremos porque Deus existe. O sofrimento é uma das piores provas de que Deus é real. 

Fingimos viver em um mundo sem pecado. A definição de saúde, atualizada pela OMS, ignora a noção de pecado, ou se você preferir, a própria condição humana, na medida em que utiliza o bem-estar como principal meta da de existência da humanidade. Quando se diz que saúde é "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade", presume-se que a perfeita soma de todas estas esferas resultaria em um estado completo de bem-estar. Sabe-se, no entanto, que nenhum ser humano experimentou tal coisa, senão aqueles que viveram do lado de dentro do Éden. 

Queremos anular nossas angústias, provenientes da ordem da existência, reduzindo a vida a um estado sensitivo emoldurado. Buscamos alcançar um grau de plenitude limitada à jurisdição de um corpo encharcado de fluídos anestesiantes. Chamamos isso de felicidade. Este é o ideal de si que as pessoas buscam atualmente, pois é ele que encontramos nas vitrines das redes sociais, nos templos religiosos e nas aulas de ciências humanas. 

É nesse contexto que o sofrimento não encontra mais espaço em nossas salas de estar. O sofrimento, simplesmente, não condiz mais com o homem moderno. Nós não o aceitamos mais, somos bons demais para isso. Eis aqui o problema de autoimagem: O pressuposto de que não podemos, ou não devemos, padecer advém da falsa premissa de que somos inocentes, bons ou justos, isso, obviamente, aos nossos próprios olhos.

É necessário, no entanto, relembrar que nós não saímos do paraíso, nós fomos expulsos de lá. Existe um motivo para isso e ele é imperativo. Nós fomos expulsos do Éden, porque nos tornamos indignos dele. A diferença entre a nossa geração e a era dos nossos ancestrais é que, desde o iluminismo, nós passamos a crer que, na verdade, somos sim, dignos do paraíso e, que, somos capazes de construir um. Ambas ilusões são provenientes de uma distorção da imagem de si. 

A primeira mentira

Povos antigos, por mais arcaicos e bárbaros que fossem e, até mesmo aqueles provenientes do paganismo, ainda conservavam consigo algum traço de modéstia em seu senso de autopercepção. Honestamente, os pagãos tendiam a se ver mais como animais do que como deuses. Isso é o oposto da cultura moderna e pós-moderna. Passamos a acreditar que somos deuses e, como tais, não deveríamos mais ser expostos ao páthos da condição humana.

Hoje, temos uma autoimagem onipotente, onipresente e onisciente e, por isso, mais do que os antigos, nos sentimos deuses. 

Onipotentes pela presunção de superarmos ou anularmos todas as limitações, inclusive as biológicas. 

Onipresentes pela ilusão que as redes sociais nos proporcionam de estarmos presentes em toda parte (e em parte alguma). 

Oniscientes pela sensação que temos de que, pelo grau elevado de consciência, ou pelo acúmulo de conhecimento e informação, somos capazes de estarmos cientes de tudo que nos cerca e assim, nos descontruirmos e nos construirmos com nossas próprias mãos. 

Os antigos tinham deuses, nós somos os próprios. Nós somos a geração que mais acredita na mentira da serpente (ver Gênesis 3: 4-5). 

Isso nos ajuda a compreender que a negação do sofrimento é proveniente da negação da condição humana. O primado da técnica fez o homem enxergar o mal como um mero problema. Quando o homem moderno se depara com o sofrimento, ele o vê como um problema

Ora, problemas são resolvidos com soluções. De fato, existem muitos problemas e, bem-aventurados são todos aqueles que se dedicam a resolvê-los, seja na saúde, na política, na ciência, ou na educação. Porém o homem, ele mesmo não é um problema em si, motivo pelo qual ele não pode simplesmente se resolver. A razão pela qual o homem não consegue resolver todos os problemas da face da terra não é por ainda ter uma inteligência insssuficiente, ou por ser incompetente, mas é devido a sua própria condição, a qual, é, por natureza insolúvel, humanamente falando.

É incrível como as pessoas aprenderam a pressupor que para tudo há uma solução humana. Quando recebo novos pacientes na clínica, com frequência sou convocado por alguns deles a resolvê-los. Eles mesmos se tratam como alguém que leva o carro para a oficina. Contudo, o homem não é um problema, ele é uma criatura. Mas não uma criatura qualquer. O homem é um ser feito com propósitos específicos. O mais correto então, seria dizer que o homem, por natureza, está corrompido. E para algo que está corrompido nós não falamos em solução, mas em salvação.

Não é óbvio para muitas pessoas que elas tratem as soluções humanas como formas de salvação. O homem se ilude quando usa soluções para fins de redenção. Eis aqui o surgimento de tantas terapêuticas. As pessoas querem soluções com o poder de lhes salvar. Por isso, diante da tormenta, o homem moderno não se permite sofrer, antes, busca encontrar, ou desenvolver, ou comprar uma solução/salvação. 

Panacéia

Quando Hipócrates e Galeno usavam a palavra therapeia, eles tinham em mente, o conjunto de cuidados e procedimentos visando a cura dos enfermos. Mas o que nós entendemos por terapia hoje, é algo bem mais ampla. Ao invés de se ocupar de tirar ou extinguir a doença, a nova concepção de terapêutica, predominantemente positiva (isto é, próprio daquilo que acrescenta ou adiciona), tem como principal finalidade produzir o estado de prazer, deleite, gozo e satisfação. 

Não seria repetitivo salientar que, essa nova concepção de terapia acompanha o ideal do bem-estar como principal critério do novo conceito de saúde preconizado pela OMS. Assim, tal critério, tem condicionado nossas relações, profissões e nossa forma de viver.

O bem-estar, como ideal de si, nos ensinou a tratar tudo como terapêutica. Queremos pai e mãe terapêuticos, um motorista de aplicativo terapêutico, professores terapêuticos, jornalistas terapêuticos, artistas terapêuticos e líderes religiosos terapêuticos. A propósito, o que as pessoas chamam atualmente de espiritualidade é, na verdade, a religião formatada para trazer bem-estar, ou seja, uma religião terapêutica. Tudo deve estar a serviço do bem estar do indivíduo. Quando alguém não nos traz mais bem estar, além de romper a relação, nós justificamos o rompimento diagnosticando o outro com alguma doença ou tag patologizante, como por exemplo, a ideia de toxicidade. 

O engodo de toda esta panacéia, consiste na não observância de que o compromisso com o bem-estar como fim último da vida humana resulta na morte de qualquer possibilidade terapêutica. Ora, a panacéia é a morte da terapêutica. Aonde encontrou-se a cura para a condição humana, não haverá necessidade de recursos terapêuticos. 

Por outro lado, a panacéia do bem-estar, sufoca a terapêutica na medida em que faz dela uma solução final para a questão do sofrimento. Não há terapêutica sem confronto, sem admoestação, sem correção, sem ajuste, sem ensino, sem disciplina, sem dor, sem sofrimento. Aquele que se sujeita à terapia, habitualmente, o faz porque se julga incapaz de corrigir a si mesmo. 

Quem se ocupa de cuidar, tratar e sarar pessoas, seja no corpo ou na alma, sabe muito bem que, frequentemente, a terapia, se quer verdadeiramente curar, precisa conduzir o paciente não para longe do sofrimento, mas ao encontro dele. A verdadeira terapêutica não deveria se fazer como uma forma de superação final do sofrimento, mas como um caminho de aceitação para a mudança, isso não se faz sem sofrimento.

Por esse motivo, concluo esta primeira hipótese afirmando que: paradoxalmente, os excessos terapêuticos deveriam ser vistos como agências diretas do adoecimento psicológico, na medida em que corroboram com o ideal irreal de um ser humano insofrível. Por conseguinte, não o sofrimento, mas sim o bem-estar como fim último da vida humana, tem adoecido a alma das pessoas.

O atual cenário do ocidente é de uma geração de pessoas que têm adoecido devido à crença central de que elas não podem e nem devem sofrer.  O excesso de terapêuticas não é um indicativo de que estamos mais preocupados com o sofrimento humano, mas de que não o aceitamos mais. Portanto, é mais precisamente a não aceitação, ou a negação do sofrimento que tem produzido mais doenças psicológicas.  

Queremos dispor de ferramentas e soluções terapêuticas para cada brecha da existência, o que é um indicativo de que coisas outrora enxergadas como questões da vida, passaram a ser enxergadas de modo patológico. Nós temos mais terapêuticas, porque nós temos mais doenças. Isso fica claro no contexto da saúde mental.   

Doença Psicológica

Nas últimas décadas a noção de doença psicológica ampliou seu território de tal maneira a recobrir toda a existência do indivíduo. Os prejuízos aqui são importantes porque além de passarmos a entender todas as questões humanas a partir de uma ótica meramente psicológica, por outro lado isso nor torna inaptos a discernir as questões que são realmente psicológicas e tratá-las de modo adequado. 

É aqui que fórmulas como “tudo é psicológico” ganharam espaço nas conversas mais ordinárias. Um dos motivos pelos quais nós passamos a crer nisso foi em razão de não percebermos mais a diferença entre sofrimento e doença psicológica. O sofrimento passou a ser compreendido como doença psicológica, porém nem sempre foi assim. 

No latim, por exemplo, sofrimento (suffere) estava associado à ideia de “carregar”, “carregar por debaixo”, “suportar” ou “tolerar”. Em nenhuma desses verbos, nós somos remetidos a uma ideia de categoria originalmente interna ao indivíduo ou psicológica. Todas elas, porém, nos apontam para uma condição e para uma resposta do homem à esta condição.  

Sofremos por causa da condição à qual estamos sujeitos. Negar o sofrimento é negar nossa condição. O sofrimento, portanto, não é uma categoria psicológica, mas espiritual³, uma vez que, o sofrer não é um fato, mas é a situação de cada ser humano diante de Deus, das outras pessoas e de si mesmo. 

Por outro lado, o sofrimento também não é originalmente uma categoria da saúde. Nem todo sofrimento enseja adoecimento, mas todo adoecimento é atravessado por sofrimento. O sofrimento, em si, pode se transformar em doença quando ele excede nosso repertório de estratégias de enfrentamento, quando nos tornamos incapazes de manejá-lo, ou quando, ele não dispõe de sentido percebido. Neste sentido, novamente Minkowski trata de nos lembrar que: “Pode-se atravessar a vida sem jamais ter-se estado doente. Não se pode atravessá-la sem sofrer”. Isso significa dizer que o sofrimento não é essencialmente uma questão de saúde. 

Reduzir o sofrimento à uma categoria de saúde é dar à terapêutica uma função redentora, tarefa para a qual, ela é completamente insuficiente. A pressuposição de que é possível viver sem sofrimento a partir das ferramentas terapêuticas ou tecnológicas se baseiam na crença de que a técnica, a ciência, a arte, ou a religião terapêutica estão aptas a resolver o problema do pecado. Isso mesmo, é impossível falar de sofrimento, sem falar de pecado. Em última instância, o sofrimento, da maneira como o que conhecemos, é proveniente do pecado. 

A única coisa que poderia me fazer crer que sim, eu mereço esta vida e este mundo de sofrimento, é a lembrança de que sou um pecador. Quanto mais o homem tenta se esquecer de si, mais sofre e quanto mais tenta negar o sofrimento, mais adoece. O sofrimento é um lembrete, um lembrete do pecado. Sobre isso, me permita que eu conte sobre a última tentação de Cristo.É possível falar de sofrimento enquanto se evita falar de pecado, mas é impossível falar de pecado sem falar de cristianismo e é exatamente isso que faremos agora.

A última tentação de Cristo

Na contramão da cultura do bem-estar, encontramos o cristianismo: uma religião que, certamente não assume o bem-estar como fim último da vida humana. Na verdade, o cristão, enquanto discípulo de Cristo deve estar ciente que para segui-Lo, deverá viver uma vida de negação de si mesmo e de carregar sua própria cruz. 

Nesse momento, é preciso que tenhamos muito cuidado, pois o cristianismo não é uma apologia ao sofrimento. O que o cristianismo faz é revelar, através do sofrimento e, em especial, o sofrimento da pessoa de Cristo, o quanto o pecado é algo devastador e horrível. O mote do cristianismo não é: “Abrace o sofrimento e seja um super-homem”, o chamado do cristão não está apenas em tomar a cruz, mas principalmente em seguir a Cristo. Obviamente será impossível ao cristão, seguir a Cristo, sem tomar a sua própria cruz.  

Mas o que a história do cristianismo tem a ver com o sofrimento? Ora, a própria cruz, principal símbolo do cristianismo, é um instrumento criado para produzir sofrimento. De todas as pessoas do mundo, Cristo, enquanto esteve na cruz, poderia dizer: "Eu não mereço isso...". Porém, o livro de Hebreus nos traz um dado importante sobre esse momento terrível. 

"Porque convinha que Aquele, para quem são todas as coisas, e mediante Quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles." Hebreus 2.10

Uma vesão mais atual do mesmo versículo deixa as coisas mais claras ainda:

"Pois Deus, que cria e sustenta todas as coisas, fez o que era apropriado e tornou Jesus perfeito por meio do sofrimento. Deus fez isso a fim de que muitos, isto é, os seus filhos, tomassem parte na glória de Jesus. Pois é Jesus quem os guia para a salvação." Hebreus 2:.0

Em meu modo raso de ver as coisas, eu ousaria imaginar que, a última tentação de Cristo não foi no deserto, sendo tentado pelo Diabo, mas foi em seus instantes agonizantes na cruz. Poderíamos dizer que este foi o pior momento da vida de Jesus? Eu creio que sim. Jesus estava sangrando muito, o que me leva a imaginar que ele estava com muita sede. De fato, Ele mesmo disse que tinha sede (João 19.28).  

A última tentação de Cristo veio na forma deplorável de uma esponja encharcada de vinagre, algo que poderia aliviar um pouco da sua dor. Jesus, porém, recusou. Por que? Porque Ele preferiu ficar com sede a ingerir qualquer coisa que pudesse atenuar o sofrimento que não lhe era devido, mas ao qual ele escolheu se sujeitar, por mim e, por minha causa. 

Não, o cristianismo não é uma religião do bem-estar e é por isso que ele causa tanto desconforto não apenas entre os descrentes, mas entre os crentes também. Digo isso porque o meu coração ainda está nesse mundo e eu mesmo, assim como meus irmãos fomos e somos nutridos cotidianamente na liturgia hedonista do bem-estar como fim último da vida humana. 

Graças a Jesus Cristo, o meu pastor, que me conduz de volta ao caminho da cruz. Soluções humanas são importantes, eu trabalho com soluções psicológicas. Contudo é preciso discernir as coisas. Na cruz eu não encontro apenas uma solução, nela eu tenho minha real salvação.

Ir em direção à cruz é ir em direção ao fracasso, à derrota, à perdição e à morte, sim, do meu eu. É lá, aos pés da cruz, que eu me rendo, me entrego e sou salvo e isso nenhuma terapêutica pode me dar. Por mais importantes que elas sejam, nenhuma terapêutica pôde ou poderá sangrar por mim. Mas o Santo, o Cordeiro de Deus, Ele sim, me trouxe para perto de Si e me salvou de mim mesmo e deste mundo.

É na cruz que eu encontro o verdadeiro paraíso. Encontro o paraíso ao descobrir que pertencendo ao meu Senhor, estou certo de que, meus sofrimentos nunca são em vão. Agora, meus sofrimentos, todos eles, têm propósito, todos eles têm sentido, pois “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8.28). Tudo que me acontece, toda a minha história, todas as dificuldades, todos os presentes, todas as circunstâncias, todo o meu conhecimento, tudo funciona em obediência às Palavras do meu Senhor. 

Eu continuo sendo humano, continuo sendo pecador, continuo sofrendo, mas agora meus sofrimentos não são mais simplesmente um castigo, eles são cuidados, zelo, amor, disciplina, correção, ensino, transformação provenientes do meu Pai. Ou como costuma dizer minha esposa: “Quando as coisas começam a ficar difíceis, eu não pergunto mais o porquê, agora eu começo minhas orações perguntando: ‘para que isso está acontecendo, Senhor?’”

À semelhança daquele ladrão, a minha alma, aprende cotidianamente a olhar para o lado e dizer:

 “Senhor, eu sei que sou filho de Adão. Sei que meu sofrimento é justo por causa de quem eu sou. Mas eu sei que tu és Santo, e sofreste injustamente por causa do meu pecado. Mesmo sem merecer, peço ao Senhor que se lembre de mim quando estiveres no Teu paraíso. Leva-me de volta para o Teu jardim. Não quero um paraíso desprovido da Tua presença, pois tal lugar não será o céu, mas certamente o inferno”. 


Notas

¹ A preocupação humanística com o próximo é apenas um recurso para o bem estar próprio. O existencialismo ateu é um humanismo apenas na medida em que coloca o outro como meio para meu próprio bem estar, ora, isso continua sendo uma forma humanista (comprometida com a humanidade) cuja essência ainda permanece egoísta. Por isso, o existencialismo ateu, não é um projeto humanista, mas individualista, pois seu fim, é sempre o Eu. Por isso, há tanta gente querendo fazer muitas coisas pelo mundo e pelos outros, e como não há concordância nem acordo nos projetos individuais, começam a fazer guerra em nome da humanidade. No fim, o Eu continua sendo o centro e o fim de todas as coisas. Eu faço o que faço pelos outros como forma de promover meu próprio bem estar. O bem estar do outro é um efeito colateral do que faço por mim mesmo. Por isso, ainda alguns humanistas se percebem como pessoas altruístas, porém, o outro para eles ainda permanece apenas um meio, nunca um fim.

² Em "Entre Quatro Paredes" ("Huis Clos"), Sartre ensinou que: “O inferno são os outros”. O outro, como emblema do inferno sartreano, revela no filósofo, também a sua concepção de paraíso: estar bem consigo. Este é o “para-si” autobiográfico de Sartre.

³ Também, a espiritualidade, por sua vez, não é ela mesma um fato psicológico. Os fatos psicológicos são emoldurados pela espiritualidade e não o inverso.


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Comentários

  1. Neemyas mais vez sendo cirúrgico na conversa entre psicologia, filosofia e teologia. Deus abençoe você e sua família!

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Neemyas Dos Santos
Um pecador salvo pela graça de Deus, marido da Lívia, uma mulher cuja alma é semelhante a um carvalho. Psicólogo e Mestre em Psicologia. Atua como Psicólogo Clínico da Universidade Federal do Maranhão.