O Homem-Polvo



Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório deu por si em sua cama transformado num gigantesco molusco. Estava deitado sobre o dorso, tão mole quanto uma gelatina.

Ao levantar um pouco a cabeça, descobriu-se sem as costelas e, por trás de si, seu corpo, desprovido de vértebras, se esparramava sobre a colcha. As pernas deram lugar a inúmeros tentáculos, que miseravelmente grudentos, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos como se tivessem vida própria.

Tendo superado a dificuldade de articular seus muitos braços, pouco caso fez do resto. Logo tratou de se lavar, vestiu-se, tomou café e foi trabalhar.

Por alguma razão, sua aparência fez sucesso. Sua fama lhe colocou na TV, agora, todos somos obrigados a ver. Eles falam muito sobre o ideal de ser um cefalópode invertebrado, ensinam sobre o dever de evoluir para a nova espécie: o homem-polvo.

Homens-polvo não precisam de pais, eles são “órfãos” por natureza. Não gostam que lhe digam quem ele é, querem ter a total autonomia de se inventarem do zero, como se isso fosse possível.

Me entristece lembrar que eu mesmo já fui uma alma desossada. Naquele tempo eu vivia me colorindo ao sabor das ondas, eu vivia me vestindo de um figurino conformado.

A identidade do homem-polvo é líquida. Sua mente, sensualista. Seu destino não é ser alguém, mas sentir-se. Dia após dia, ele se camufla de uma euforia fugaz. Ele é sempre bem-vindo, pois é o tipo de gente que cabe em qualquer lugar.

Isso se deve à característica que, de todas, mais me assusta: o homem-polvo não tem esqueleto. Se o ganho disso for caber em qualquer buraco, eu prefiro recusar.

Ademais, é do interesse dos predadores que eu seja algo fácil de engolir. Mas eu não sou um polvo, eu sou um homem. Deus me deu a dignidade dos ossos. Eu tenho Molde desde que Cristo passou a viver em mim.

Se você tentar me engolir, vai ter que passar um bom tempo mastigando. Vai ter que se demorar, me jogando de um lado para o outro da boca enquanto eu deixo verter o que há dentro de mim: uma alma vertebrada pela Fé.

Senhor, que a minha vida seja benção no estômago de quem me odiar por causa dos ossos que me destes.


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Neemyas Dos Santos
Um pecador salvo pela graça de Deus, marido da Lívia, uma mulher cuja alma é semelhante a um carvalho. Psicólogo e Mestre em Psicologia. Atua como Psicólogo Clínico da Universidade Federal do Maranhão.