Caco de Vidro


Existe um motivo pelo qual essa escultura é tão inspiradora para nós. Ela realiza a nossa maior ambição: sermos obra de nossas próprias mãos. Foi por isso que Bobbie Carlyle a chamou de "Self made man", isto é, o homem que faz a si mesmo. Trata-se de um emblema do espírito do nosso tempo. Sartre descreve bem esse ideal quando ensinou que "o homem será apenas o que ele projetou ser".

Hoje entendo que essa é a mais doce ilusão cuja narrativa o homem moderno conta a si mesmo como forma de omitir o terror da própria condição de criatura. Não, o homem não é apenas o que ele faz de si mesmo.

Todavia, durante muitos anos da minha vida eu realmente acreditei nisso. Eu achava que tudo que eu precisava era entender as coisas e, então eu estaria apto a mudar minha própria condição. Mas um idiota não deixa de ser um idiota só porque descobriu que é um idiota. Isso Dostoievski nos ensinou muito bem.

Quanto mais eu tentava me consertar sozinho, mais eu me destruía.  Aprendi então que existe uma região do meu ser que não consegue se dobrar sobre si mesmo. Essa região é o meu coração. Nietzsche descreveu sua vocação como uma "filosofia do martelo". Com esse martelo ele destruiu muitos ídolos da civilização, exceto aqueles de seu coração.

Se desconstruir¹ não é tão simples como as pessoas professam por aí como uma forma de santificação alcançada pelo conhecimento. Existem muitas coisas que você pode fazer por si mesmo para tentar ser menos ruim ou, quem sabe, "evoluir",  mas existe uma parte da sua vida sobre a qual você não ousará levantar o martelo. Essa "parte" é o seu coração, o centro da sua existência. Diante dele o seu braço desfalecerá impotente. Você precisará das mãos de um outro escultor. 

Nos tempos de menino, pisei em um pedaço de vidro que ficou preso em meu pé. Eu não podia vê-lo, mas meu pai sim, por isso, apesar de sentir muito medo eu tive que confiar a ele a tarefa dolorosa de tirar o caco de vidro.  

Existem coisas que só Deus pode tirar das nossas vidas e, existem algumas outras que ele prefere manter como lembrete espinhoso de que não somos autossuficientes, mas de que a Sua Graça nos basta e o Seu poder se aperfeiçoa em nossas fraquezas.

¹Há algum tempo atrás, escrevi um post intitulado "Quem é você para tentar me desconstruir?". Trata-se de uma reflexão dedicada exclusivamente à tarefa da autodesconstrução como ideal de si. 

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Neemyas Dos Santos
Um pecador salvo pela graça de Deus, marido da Lívia, uma mulher cuja alma é semelhante a um carvalho. Psicólogo e Mestre em Psicologia. Atua como Psicólogo Clínico da Universidade Federal do Maranhão.