Brinquedo


Era fim de tarde e, a escuridão da noite começava a vestir as sinuosas curvas da Boulevard Thaumaturgo. Poucos metros à nossa frente, duas figuras saíam de uma das maiores lojas da cidade. Dos dois, uma sombra era grande, a outra pequenina, eram pai e filho, ambos andando lado a lado sem dizer coisa alguma.

O garotinho, em seus sete anos, escondia um rosto miúdo por detrás da máscara de tecido. Na cabeça, um boné dançava folgado sobre seus cabelos lisos. Em suas pequenas mãos, uma imensa sacola que carregava com muito esforço. Ele estava feliz, pois havia ganhado um presente.

A caixa era grande, certamente era um brinquedo. Sei disso pelo brilho nos seus olhos, eles tinham uma satisfação que me fez imaginar um semblante contente. Porém, como a coisa alcançava praticamente o tamanho da própria criança, era-lhe necessário erguê-la com os braços para que não arrastasse no chão. Assim ele seguia carregando seu presente enquanto seu pai seguia ao seu lado, em silêncio.

Acontece que em certo ponto da caminhada, a força da gravidade começou a prevalecer e, como os bracinhos iam desvanecendo, começou a se desequilibrar. Quis olhar para o pai, mas lembrou-se de seu próprio pedido “Pai, deixa eu levar?”. Resolveu dar uma de durão, mas seus olhos já não brilhavam mais, agora eles estavam aflitos. 

Aos poucos o rapazinho diminuiu o passo. Foi parando, ficando para trás. Dava golpes de força, queria insistir, queria manter a honra de dar conta do que era seu. Sua euforia de minutos atrás foi vergando-se diante do peso do seu presente. 

O pai que, a esta altura, já estava alguns metros à frente, parecia indiferente. O olhar de um estranho lhe teria por carrasco. Mas ele volveu os olhos para trás e lá estava seu menino, cansado, bufando e orgulhoso demais para pedir ajuda.

Ele permaneceu em silêncio, mas seu olhar se encontrou com os olhos arregalados da criança. Se aquele olhar pudesse ser traduzido, ele seria a seguinte pergunta: "Eu não disse que era pesado demais pra você?"

A euforia de receber uma benção nos leva a dizer: “Pai, deixa eu levar?”. Às vezes, quando Deus nos dá algo realmente muito bom tendemos a tratar o presente com a possessividade ingrata de um cão que ataca o dono que acabou de lhe servir a ração. Nosso coração diz: “Isso é meu...” 

Estou falando de bençãos preciosas como uma gravidez, a aprovação em um concurso, um emprego dos sonhos, a conquista de um diploma, um carro, uma casa, um marido, uma esposa. Recebemos de bom grado o presente e logo em seguida dizemos: “Deixa que eu levo...afinal de contas, isso é meu”. 

Em certa medida, as coisas começam a ficar realmente pesadas, porém, ainda assim, conservamos conosco nosso pequeno grande orgulho de segurar coisas, relacionamentos e pessoas, com a força do nosso braço. É assim que os presentes que Deus nos deu começam a se deteriorar em nossas mãos. Ficamos ressentidos, cansados e irritados e, por fim, começamos a tratar bençãos como maldições.

Não sei como se deu o desfecho da história daquele pequeno garotinho, mas em meu coração, imagino que a melhor coisa que ele poderia ter feito seria pedir: “Pai, leva para mim?”. Na verdade, esta é uma oração muito especial para qualquer um de nós, porque temos até certa tranquilidade para entregar doenças, problemas, fardos e dores nas mãos de Deus, mas em se tratando de coisas boas, nós as queremos em nossas mãos. 

Há coisas nesta vida que são boas, mas insuportáveis para os braços de uma criança como eu e você. Precisamos de Deus até mesmo para desfrutarmos das bençãos que Ele mesmo nos dá, do contrário, elas se tornam um peso em nossas vidas. Mais do que ganhar presentes do Criador, você precisa que Ele te torne apto a recebê-los.

Enquanto a lógica deste mundo corrompido reclama uma forma de vida naturalmente autocentrada e autoreferente,  a lógica da fé Cristã é atravessada e constituída por atos de entrega. O próprio Deus já havia entregado seu Filho desde a fundação do mundo (Apocalipse 13:8). Uma vez que, passamos a entender que tudo pertence a Deus, logo levamos mais a sério Lhe chamar de Senhor. 

A entrega implica não apenas em fé, mas na humildade de reconhecer que nada pode estar mais seguro comigo do que nas mãos de Deus, até mesmo as coisas boas que Ele me dá. Tão cedo o salmista aprendeu esta verdade, tão logo ele escreveu:

Entrega o teu caminho ao SENHOR; confia nele, e ele tudo fará”. Salmos 37.5

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Neemyas Dos Santos
Um pecador salvo pela graça de Deus, marido da Lívia, uma mulher cuja alma é semelhante a um carvalho. Psicólogo e Mestre em Psicologia. Atua como Psicólogo Clínico da Universidade Federal do Maranhão.