Monstros


Nós estamos habituados a presumir que a intolerância “nasce” do desrespeito às diferenças. Porém, o problema da intolerância não surge primariamente do não reconhecimento das diferenças, mas do não reconhecimento das semelhanças. A intolerância nasce quando as semelhanças não são percebidas. Quando não enxergamos semelhanças, tudo que vemos são diferenças, essa é a raiz de toda intolerância.

O rei Davi, assassinou um homem, para poder ficar com a mulher do infeliz. Deus então enviou o profeta Natan ao palácio. Quando Natan fez a denúncia de que um homem rico e, com vasto rebanho, havia roubado a única ovelha de um pobre camponês, Davi ficou furioso. 

O que aconteceu? Davi não reconheceu as semelhanças entre ele mesmo e aquele homem rico. Não fosse pelo profeta ter dito: “Tu és este homem”, a fúria de Davi não teria cedido lugar à vergonha e culpa.

Nós não toleramos quando alguém nos lembra de quem nós somos. A hipervalorização das diferenças não é necessariamente um sinal de ampla aceitação, mas pode, inversamente, ser a evidência de uma ampla negação das igualdades. O homem moderno não tolera ser comparado, ele quer ser único, mas não sabe como. Seu senso de identidade é tão frágil e volúvel que se colocado na água, pode se dissolver. 

Não é estranho que sentimos aversão às pessoas que são mais parecidas conosco?”, pergunta Adam (Adão), em Dark, a aclamada série alemã. Não é por isso que algumas relações entre pais e filhos se tornam irreconciliáveis? O conflito de semelhanças! O maior desafio para um filho (a) não é vencer seu pai (mãe), mas ser diferente dele(a). “Aquele que luta com monstros deve-se acautelar para não se tornar também um monstro”, dizia o velho Nietzsche.

Quando Cristo evitou a execução de uma mulher pega em adultério, ele não estava valorizando diferenças, mas evidenciando semelhanças. Ele estava dizendo: todos vocês são como ela. Por esse motivo, nenhum de vocês está apto a condená-la. Existem muitas diferenças importantes, mas há uma semelhança fundamental: todos nós somos pecadores (alguns salvos e outros não). O não reconhecimento desta semelhança gera intolerância.


Gostou da leitura? Compartilha ela com alguém que você se importa.

 Quer receber os futuros posts em primeira mão, gratuita e diretamente no seu e-mail? Basta clicar na raposa.

Photograph by @mokhalad.photograp


Comentários

  1. Boa reflexão! Sobre o termo semelhantes explorado no texto, mesmo não tendo muito a ver com o sentido da abordagem aqui, lembrei de uma frase da música Esquinas Cruéis, escrita por João Alexandre para MILAD; na qual o autor respeitosamente exibe em algumas linhas a dolorosa rotina de uma "jovem" garota de programa. A frase diz: "....Conhece os normais e os doentes, de tão diferentes parecem iguais [...]"

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Minha foto
Neemyas Dos Santos
Um pecador salvo pela graça de Deus, marido da Lívia, uma mulher cuja alma é semelhante a um carvalho. Psicólogo e Mestre em Psicologia. Atua como Psicólogo Clínico da Universidade Federal do Maranhão.