Pedaço

O homem deve entregar a vida pela sua mulher. Quando eu ouvi isso pela primeira vez, a imagem que me veio à cabeça foi algo do tipo "o guarda-costas". Me imaginei pulando na frente de Lívia e impedindo que ela fosse atingida por uma bala. De cara, me senti preparado e honrado em morrer por ela.

Todavia a minha honra foi pelo ralo logo no início do casamento. Certa noite, Lívia me pediu um pedaço da minha última fatia de pizza. Minha pizza. De calabresa. Tudo foi por água abaixo. Eu prontamente neguei. Minha justificativa foi: “Você teve a chance de fazer isso antes, mas deixou para pedir só no final...o meu último pedaço? Me peça qualquer coisa, menos isso!”

Algo mudou no olhar de Lívia. Para minha surpresa, ela ficou chateada. Chateada não, com raiva. Eu não pude entender. Que direito ela tinha de estar com raiva? Nós havíamos dividido tudo certinho, de forma justa e igual. Se havia alguém sendo injusto, essa pessoa era ela.

Lívia saiu da mesa, foi pro sofá. Ficou calada, emburrada. Demorei alguns anos pra entender que quando minha esposa me pede um pedaço de algo, ela não está interessada na coisa em si, mas no meu ato de entrega. O valor da concessão não está no pedaço, mas no sacrifício. Homens e mulheres se comunicam de maneira distinta porque enxergam o mundo de maneira distinta. Ela pede um pedaço pra saber se eu estou disposto a entregar o todo.

Às vezes, é mais fácil se atirar na frente de uma bala do que repartir o último pedaço de pizza. Sei que posso facilmente trabalhar o dia inteiro sob a justificativa de que estou me sacrificando pela minha esposa, mas isso é apenas um pedaço. É possível dar pedaços de si, sem realmente se entregar. A ordenança bíblica dada especificamente aos homens é: “dar a própria vida” (Efésios 5.25).

Hoje eu me antecipo, nem espero ela pedir. Já ofereço: “Quer um pedaço, amor?”. Aí ela faz charme, diz que não quer, que vai “desinteirar” meu lanche, mas eu insisto. Há coisas que Lívia nem sequer gosta, mas se eu oferecer, ela come, e com gosto. É uma cena bela de se ver. Sei, no entanto, que volta e meia descubro pedaços de mim que não quero entregar. Enquanto houver vida, há sacrifício.

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