O Custo da Descontrução


Desconstruir-se, diz-se, é um processo. Mas qual é o seu fim? Em suma, o indivíduo quer ser uma "pessoa melhor".

A desconstrução, tal como tem sido, popularmente, empregada se tornou uma tecnologia de higiene de si. Ela pressupõe uma teodiceia na qual o mal (em mim e, no outro) seria um mero problema socialmente construído, nunca algo inerente.

Nutre-se assim, uma visão de si na qual toda impureza nunca está localizada no centro do Eu, mas sempre na periferia da existência, em camadas que, ao longo da vida, vão sendo sedimentadas sobre a 'epiderme da alma'.

Por esse mesmo motivo, toda sorte de desconstrução obedece a um princípio centrípeto: o mundo, que é mau, precisa ser desconstruído em função do Eu, que é bom.

Nesse sentido, a desconstrução de si, revela uma função, genuinamente religiosa, uma vez que, por meio dela, o indivíduo busca reivindicar para si um estado original de pureza.

Entretanto, vale a pena lembrar que, a ideia da desconstrução, quando foi originalmente concebida pelo filósofo Jaques Derrida, tinha pouco ou nada a ver com toda essa panaceia.

Ele não via a desconstrução como uma doutrina ou teoria, mas foi exatamente isso que aconteceu. O que Derrida fazia com fragmentos de textos, hoje faz-se com gente e, gente viva.

É nesse cenário que as nossas relações têm se tornado insustentáveis. Meu laço com o outro só se estreita, ou permanece, na medida em que eu o desconstruo à minha imagem e semelhança. Faço dele um projeto do qual eu sou autor. Uso minha borracha naquilo que não me agrada. Quero desfazer pessoas e, refazê-las à minha maneira.

O custo disso tudo é desumano, porém frequentemente romantizado. Como psicólogo, aprendi que crenças, valores e memórias não são experimentados, nem por meus pacientes, nem por mim mesmo, como tijolos cognitivos empilhados num edifício psicológico. Pessoas não são bonecos de lego.

O que realmente cremos, por inteiro, nós vivemos. O que acredito, nisso existo. Desconstruir um texto ou um conceito é tão corriqueiro quanto possível. Seres humanos, porém, são indecomponíveis.

O coração não é um depósito de crenças, é uma fonte. É possível desconstruir ideias, mas o coração, quem o desconstruirá?

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Neemyas Dos Santos
Um pecador salvo pela graça de Deus, marido da Lívia, uma mulher cuja alma é semelhante a um carvalho. Psicólogo e Mestre em Psicologia. Atua como Psicólogo Clínico da Universidade Federal do Maranhão.