De grão em grão, goela abaixo


Por volta dos dez anos de idade, minha avó me trouxe do interior do Maranhão, uma galinha que, segundo ela, deveria ser criada sob os meus cuidados. Eu nunca fui perito no assunto, mas logo vi que o animal não exigia tanta atenção. Aquela galinha nova, praticamente um pintinho, se virava muito bem no terreiro. De qualquer forma minha avó pediu que eu fosse à feira e comprasse milho e ração. Assim o fiz, porém uma coisa inesperada aconteceu. A galinha não deu a mínima atenção para o milho, ao invés disso, passava o dia ciscando. Isso não me incomodou, mas minha avó, que tinha planos para aquela galinha, não gostou nada.

Certo dia, minha avó foi nos visitar e pediu que eu fosse buscar o animal, o que, como você pode imaginar, deu bastante trabalho. Estando ela em minhas mãos e, obviamente aos berros, minha avó pediu que eu a segurasse com força e que abrisse o bico do bicho. O que se seguiu foi uma das cenas mais sufocantes que eu já vi. Com uma mão minha avó depositava pequenas quantidades de milho no bico da galinha e com o dedo indicador ia empurrando com cuidado, grão em grão, goela abaixo.

Aquele foi um momento muito tenso pra mim. Em alguns instantes, por pena, eu perdi a força nas mãos e com isso o animal saia da posição, tentando fugir. Minha avó, com muita firmeza na voz dizia: "Não é pra ter pena! Segura firme!". A psicologia do desenvolvimento humano nos ensina que, uma criança com quatro anos já reconhece os sentimentos de outras pessoas ou animais. Isso é o que chamamos de empatia e foi isso que fez meu coração congelar ao ver os olhos daquela galinha fechando-se a cada empurrão que minha avó dava garganta adentro.

Felizmente tudo terminou quando minha avó apalpou o papo do animal e viu que estava cheio. Infelizmente essa havia sido apenas a primeira de muitas sessões. Isso durou cerca de uma semana e meia, pelo menos uma vez por dia, porém nos últimos dias algo muito estranho aconteceu. Minha avó colocou um punhado de milho na tampa de uma tigela, levou ao quintal, chamou pela galinha que veio correndo comer o milho servido. Aquela imagem foi extremamente impactante para mim. Naquele dia, lembro-me de ter pensado comigo mesmo: "Afinal, a minha avó estava certa".

Bem, que lições tiramos dessa história? Várias! Uma, no entanto, me cativa e, pode ser explicitada em uma simples pergunta: "Você sabe o que é bom para você?". Não estou falando de bom enquanto algo "agradável", mas bom no que "faz o bem". Quero dizer, não é exatamente por isso que as pessoas pagam médicos, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, educadores físicos e outros especialistas? Não é para esses profissionais lhes dizerem exatamente o que é "bom" para elas, o que, na maioria das vezes é o oposto do que elas gostam de fazer. A saúde, no princípio, parece exigir um movimento que vai na direção oposta do prazer.

A questão que estou colocando diante de você é a mesma que por muitas vezes tive que colocar diante dos meus pacientes. Eu os via imersos em relacionamentos ruins, maus negócios e escolhas que só prejudicavam a eles mesmos. Com frequência eles se revoltavam contra as condições nas quais eles mesmos se colocavam, mas não conseguiam se libertar delas nem tomar decisões diferentes. Então eu lhes perguntava: "Você reconheceria "o bem", ou, o "verdadeiro amor" se o visse?".

Você sequer o notaria? Eu acho que não. Eu acho que você provavelmente o ignoraria assim como uma galinha que passou a vida comendo minhocas ignora o milho. E, se porventura, alguém decidisse te fazer o bem a qualquer custo, você iria berrar, tentar fugir, resistir, lutar e se rebelar. Se a natureza humana fosse boa, nós acolheríamos o bem como algo que é feito da mesma matéria. Mas a nossa natureza não é boa, nem sequer para si, ela é autodestrutiva e é incapaz de fazer o que é bom para si mesma. Por mais que você estude, por mais que você se esforce, por mais que você seja alguém experiente ou por mais que que você se torne alguém elevado, você nunca será capaz de mudar isso e, portanto, dificilmente você será capaz de decidir espontaneamente o que é bom para si. Você luta.

A minha vida com Cristo tem me ensinado que eu sou aquela galinha. Na maioria das vezes a minha natureza me faz buscar alimento na terra, no barro, de onde eu vim. Na maioria das vezes eu ignoro quando Deus coloca um punhado de milho diante de mim, porque meus olhos humanos são míopes quanto à bondade do Senhor. Na maioria das vezes Ele precisa me tomar no colo, abrir meu bico, e colocar a Sua palavra em mim, de grão em grão, goela abaixo, até que eu entenda a sua bondade, até que eu me acostume com o bem, até que eu veja com os olhos espirituais o verdadeiro alimento. Muitas vezes, aos olhos dos outros, pode parecer que Deus está me fazendo um mal, que está sendo violento, forçando a barra. Mas na verdade ao final ele está apenas me fazendo o bem. Deus é bom porque tudo que Ele faz é benigno. De grão em grão, goela abaixo, Ele nos faz experimentar a Sua bondade.

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Neemyas Dos Santos
Um pecador salvo pela graça de Deus, marido da Lívia, uma mulher cuja alma é semelhante a um carvalho. Psicólogo e Mestre em Psicologia. Atua como Psicólogo Clínico da Universidade Federal do Maranhão.