O Fundo da Panela

Eleva-se a chama e logo abre-se a fervura. O fundo da panela vai ficando nu enquanto o fogo transforma a água em invisível. No cerrado, quando não chove, o igarapé encolhe e emagrece as margens. O pescador sabe que não tardará a encontrar a canoa perdida. O que a cheia esconde, a estiagem revela. O que a fartura camuflou, a escassez denunciará.

“O fundo do mar apareceu, e os fundamentos da terra foram expostos pela Tua repreensão”(Salmos 18.15). Assim também, o fundo do meu ser foi desvendado pelo Teu soprar. Com Teu soprar foram expostos os arames da minha alma.

O concreto do mundo se esfacelou, e por todas as rachaduras o teu Espírito penetrou. Quem poderá se esconder? Não há superfície que não esteja banhada pela Sua Luz e fulgor, não há uma brecha sequer. Porque toda a terra se encheu do conhecimento e da glória do SENHOR, como as águas cobrem o mar (Habacuque 2.14). Porventura pode um homem esconder-se durante toda a sua existência por detrás das próprias pálpebras? Pois até mesmo quem fecha os olhos ainda pode testemunhar de que há luz lá fora.

As pragas não fazem outra coisa senão desnudar o chão dos nossos corações perante Deus e perante nós mesmos. Afinal, temos agora de nos ver como realmente somos, coisa da qual fugimos cotidianamente. Porém quando a Praga vem, nossas crenças mais fundamentais são postas à prova. Quem sou eu, o que é o mundo... O porquê disso tudo...

Então, as profundezas de cada oceano humano serão descobertas, e os fundamentos de cada alma serão expostos. A natureza de cada fé será provada. Porque assumidamente cada um terá de declarar do que é feita a própria fé. Porque no fim, depois do naufrágio, a fé não mais estará na robustez do navio, ou na inteligência de quem o construiu, mas em qualquer coisa que te ajude a boiar. Nem tudo, porém, flutua.

Nem mesmo nove pragas amoleceram o coração do Faraó, mas a décima lhe devastou para sempre. Nada sobrou senão um trono sem primogênito. Pois quando se eleva a chama, logo abre-se a fervura. O fundo da panela vai ficando nu enquanto o fogo transforma a água em invisível. Tendo toda a água evaporado, o que, pois de ti sobrará?

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